4 –Atribui-se geralmente aos profetas o dom de revelar o
futuro, de maneira que as palavras profecia e predição se tornaram sinônimas.
No sentido evangélico, a palavra profeta tem uma significação mais ampla,
aplicando-se a todo enviado a Deus, com a missão de instruir os homens e de
lhes revelar as coisas ocultas, os mistérios da vida espiritual. Um homem pode,
portanto, ser profeta, sem fazer predições. Essa era a idéia dos judeus, no
tempo de Jesus. Eis porque, ao ser levado perante o sumo sacerdote Caifás, os
Escribas e os Anciãos, que estavam ali reunidos, lhe cuspiram no rosto e lhe
deram socos e bofetadas, dizendo: “Cristo, profetiza, e dize quem foi que te
bateu”. Houve profetas, entretanto, que tiveram a presciência do futuro, seja
por intuição ou por revelação providencial, a fim de transmitirem advertências
aos homens. Como essas predições se realizaram, o dom de predizer o futuro foi
considerado como um dos atributos da qualidade de profeta.
TEXTOS DE APOIO
O VERDADEIRO
ESPÍRITO DAS TRADIÇÕES
(Sétif, Argélia, 15 de outubro de 1863)
Abri as Escrituras Sagradas e a cada página encontrareis predições
ou alegorias incompreensíveis para quem quer que não esteja ao corrente das
revelações novas e que, para a maioria, foram interpretadas por seus
comentadores de acordo com a opinião que professavam e, muitas vezes, com o seu
próprio interesse. Mas tomando como guia a ciência que começastes a adquirir,
podereis facilmente descobrir o sentido oculto que elas encerram.
Os antigos profetas eram todos inspirados por Espíritos
elevados, mas que só lhes davam, em suas revelações, ensinamentos que só eram
compreendidos por inteligências de escol, e cujo sentido não estivesse em
oposição muito patente com o estado dos conhecimentos e dos preconceitos
daquele tempo.
Era necessário que fosse possível interpretá-los de
maneira apropriada à inteligência das massas, para que estas não as rejeitassem,
como não teriam deixado de fazer se essas predições estivessem em frontal
oposição com as idéias gerais.
Hoje o nosso cuidado deve ser o de vos esclarecer completamente
e, ao mesmo tempo, vos fazer compreender os paralelos existentes entre as
nossas revelações e as dos Antigos.
Temos outra tarefa a desempenhar: a de combater a
mentira, a hipocrisia e o erro, tarefa muito difícil e muito árdua, mas cujo
fim alcançaremos, pois tal é a vontade de Deus. Tende fé e coragem;
Deus jamais encontra um obstáculo irresistível à sua
vontade.
Meios imprevistos serão empregados por suas ordens para
vencer o gênio do mal, personificado agora pelos que deveriam marchar à frente
do progresso e propagar a verdade, em vez de entravá-la pelo orgulho ou pelo
interesse.
É preciso, pois, anunciar por toda parte, com confiança e
segurança, o fim, que se avizinha, da escravidão, da injustiça e da mentira.
Digo o fim que se avizinha porque os acontecimentos, embora devendo realizar-se
com a sábia lentidão que a Providência imprime em suas reformas, com vistas a
evitar as desgraças inseparáveis de uma grande precipitação, tenham seu curso
num espaço de tempo mais próximo do que o esperam os que se atemorizam com os
obstáculos que prevêem, e também num tempo mais breve do que o aguardado por
aqueles que, por medo ou egoísmo, estão interessados na manutenção indefinida
desse estado de coisas.
Sede, pois, ardentes na propaganda, mas prudentes diante
dos vossos ouvintes, não apavorando as consciências timoratas e ignorantes. Só
os egoístas não exigem a menor circunspeção nem vos devem inspirar qualquer
medo. Tendes a ajuda de Deus; sua resistência, pois, será impotente contra vós;
é preciso lhes mostrar sem equívoco o futuro terrível que os espera, por sua
própria causa e por causa dos que se deixarem perverter por seu exemplo, pois cada
um é responsável pelo mal que faz e por aquele do qual for a causa. Santo
Agostinho
ALLAN KARDEC -REVISTA ESPÍRITA – OUTUBRO DE 1863
REVELAÇÃO (8)
No sentido litúrgico, a revelação implica uma idéia de misticismo
e de maravilhoso. O materialismo a repele naturalmente, porque ela supõe a
intervenção de poderes e de inteligências extra humanas.
Fora da negação absoluta, muitas pessoas fazem hoje estas
perguntas: Houve ou não uma revelação? A revelação é necessária? Trazendo aos
homens a verdade integral, a revelação não teria por efeito impedi-los de fazer
uso das suas faculdades, pois que lhes pouparia o trabalho da investigação?
Essas objeções nascem da falsa idéia que se faz da revelação. Tomemo-la inicialmente
em sua acepção mais simples, para segui-la até seu ponto mais alto.
Revelar é tornar conhecida uma coisa que não o é; é ensinar
a alguém aquilo que não sabe. Deste ponto de vista, há para nós uma revelação
por assim dizer incessante. Qual o papel do professor diante dos seus alunos,
senão o de um
revelador? O professor lhes ensina o que eles não sabem,
o que não teriam tempo, nem possibilidade de descobrir por si mesmos, porque a
Ciência é obra coletiva dos séculos e de uma multidão de homens que trazem,
cada qual, o seu contingente de observações aproveitáveis àqueles que vêm depois.
O ensino é, portanto, na realidade, a revelação de certas verdades científicas
ou morais, físicas ou metafísicas, feitas por homens que as conhecem a outros que
as ignoram e que, se assim não fora, as teriam ignorado sempre.
8 N. do T.: Esboço do capítulo 1, de A
Gênese, que Allan Kardec preparava: Caráter da revelação espírita.
Seria lógico deixar que eles mesmos procurassem essas
verdades? esperar que tivessem inventado a mecânica para lhes ensinar a servir-se
do vapor? Não se poderia dizer que, em lhes revelando o que outros acharam,
impede-se o exercício de suas faculdades? Não é, ao contrário, apoiando-se no
conhecimento das descobertas
anteriores que chegam a novas descobertas? Dar a conhecer
ao maior número possível a maior soma possível de verdades conhecidas é, pois,
provocar a atividade da inteligência em vez de abafá-la e impelir ao progresso.
Sem isto o homem ficaria estacionário.
Mas o professor não ensina senão o que aprendeu: é um
revelador de segunda ordem; o homem de gênio ensina o que descobriu por si
mesmo: é o revelador primitivo; traz a luz que pouco a pouco se vulgariza. Que
seria da Humanidade sem a revelação dos homens de gênio, que aparecem de tempos
a tempos?
Mas, quem são esses homens de gênio? E, por que são homens
de gênio? Donde vieram? Que é feito deles? Notemos que na sua maioria revelam,
ao nascer, faculdades transcendentes e alguns conhecimentos inatos, que com
pouco trabalho desenvolvem. Pertencem realmente à Humanidade, pois nascem, vivem
e morrem como nós. Onde, porém, adquiriram esses conhecimentos que não puderam
aprender durante a vida? Dir-se-á, com os materialistas, que o acaso lhes deu a
matéria cerebral em maior quantidade e de melhor qualidade? Neste caso, não
teriam mais mérito que um legume maior e mais saboroso do que outro.
Dir-se-á, como certos espiritualistas, que Deus lhes deu uma
alma mais favorecida que a do comum dos homens?
Suposição igualmente ilógica, pois que tacharia Deus de
parcial. A única solução racional do problema está na preexistência da alma e na
pluralidade das vidas. O homem de gênio é um Espírito que tem vivido mais
tempo; que, por conseguinte, adquiriu e progrediu mais do que aqueles que estão
menos adiantados. Encarnando, traz o que sabe e, como sabe muito mais do que os
outros e não precisa aprender, é chamado homem de gênio. Mas seu saber é fruto
de um trabalho anterior e não resultado de um privilégio. Antes de renascer,
era ele, pois, Espírito adiantado: reencarna para fazer que os outros
aproveitem do que já sabe, ou para adquirir mais do que possui.
Os homens progridem incontestavelmente por si mesmos e
pelos esforços de sua inteligência; mas, entregues às próprias forças, só muito
lentamente progrediriam, se não fossem auxiliados por outros mais adiantados,
como o estudante o é pelos professores. Todos os povos tiveram homens de
gênios, surgidos em diversas épocas, para dar-lhes impulso e tirá-los da
inércia.
Desde que se admite a solicitude de Deus para com as suas
criaturas, por que não se há de admitir que Espíritos capazes, por sua energia
e superioridade de conhecimento, de fazerem que a Humanidade avance, encarnem pela
vontade de Deus, com o fim de ativarem o progresso em determinado sentido? Por
que não admitir que eles recebam missões, como um embaixador as recebe do seu
soberano? Tal o papel dos grandes gênios. Que vêm eles fazer, senão ensinar aos
homens verdades que estes ignoram e ainda ignorariam durante largos períodos, a
fim de lhes dar um ponto de apoio mediante o qual possam elevar-se mais rapidamente?
Esses gênios, que aparecem através dos séculos como estrelas brilhantes, deixando
longo traço luminoso sobre a Humanidade, são missionários ou, se o quiserem,
messias. Se só ensinassem aos homens o que estes já soubessem, sua presença
seria completamente inútil. O que de novo ensinam aos homens, quer na ordem
física, quer na ordem moral, são revelações. Se Deus suscita reveladores para
as verdades científicas, pode, com mais forte razão, suscitá-los para as verdades
morais, que constituem elementos essenciais do progresso. Tais são os filósofos
cujas idéias atravessam os séculos.
No sentido especial da fé religiosa, os reveladores são mais
particularmente designados sob o nome de profetas ou messias.
Todas as religiões tiveram seus reveladores e estes,
embora longe estivessem de conhecer toda a verdade, tinham uma razão de ser providencial,
porque eram apropriados ao tempo e ao meio em que viviam, ao caráter particular
dos povos a quem falavam e aos quais eram relativamente superiores. Apesar dos
erros de suas doutrinas, não deixaram de agitar os espíritos e, por isso mesmo,
de semear os germes do progresso, que mais tarde haviam de desenvolver-se, ou se
desenvolverão à luz brilhante do Cristianismo.
É, pois, injusto se lhes lance anátema em nome da ortodoxia,
porque dia virá em que todas essas crenças tão diversas na forma, mas que
repousam realmente sobre um mesmo princípio fundamental – Deus e a imortalidade
da alma – se fundirão numa grande e vasta unidade, logo que a razão triunfe dos
preconceitos.
Infelizmente, as religiões hão sido sempre instrumentos de
dominação; o papel de profeta há tentado as ambições secundárias e tem-se visto
surgir uma multidão de pretensos reveladores ou messias, que, valendo-se do prestígio
deste nome, exploram a credulidade em proveito do seu orgulho, da sua ganância,
ou da sua indolência, achando mais cômodo viver à custa dos iludidos. A
religião cristã não pôde evitar esses parasitas. A tal propósito, chamamos
particularmente a atenção para o capítulo XXI de O Evangelho segundo o
Espiritismo: “Haverá falsos cristos e
falsos profetas.”
A linguagem simbólica de Jesus favoreceu singularmente as
interpretações mais contraditórias; esforçando-se em lhe deturpar o sentido,
cada um julgou aí encontrar a sanção de seus pontos de vista pessoais, muitas
vezes até a justificação das doutrinas mais contraditórias ao espírito de
caridade e de justiça, que é a sua base. Aí está o abuso que desaparecerá pela
força mesma das coisas, sob o império da razão. Não é disto que nos vamos
ocupar aqui. Apenas constatamos as duas grandes revelações sobre as quais se
apóia o Cristianismo: a de Moisés e a de Jesus, porque tiveram uma influência
decisiva na Humanidade.
O islamismo pode ser considerado como um derivado de concepção
humana do mosaísmo e do Cristianismo. Para acreditar a religião que queria
fundar, Maomé teve que se apoiar sobre uma pretensa revelação divina.
Haverá revelações diretas de Deus aos homens? É uma questão
que não ousaríamos resolver, nem afirmativamente, nem negativamente, de maneira
absoluta. O fato não é radicalmente impossível, porém, nada nos dá dele prova
certa. O que não padece dúvida é que os Espíritos mais próximos de Deus pela
perfeição se imbuem do seu pensamento e podem transmiti-lo. Quanto aos reveladores
encarnados, segundo a ordem hierárquica a que pertencem e o grau a que chegaram
de saber, esses podem tirar dos seus próprios conhecimentos as instruções que
ministram, ou recebê-las de Espíritos mais elevados, mesmo dos mensageiros diretos
de Deus, os quais, falando em nome de Deus, têm sido às vezes tomados pelo
próprio Deus.
As comunicações deste gênero nada têm de estranho para
quem conhece os fenômenos espíritas e a maneira pela qual se estabelecem as
relações entre os encarnados e os desencarnados.
As instruções podem ser transmitidas por diversos meios:
pela simples inspiração, pela audição da palavra, pela visibilidade dos Espíritos
instrutores, nas visões e aparições, quer em sonho, quer em estado de vigília,
do que há muitos exemplos na Bíblia, no Evangelho e nos livros sagrados de
todos os povos.
É, pois, rigorosamente exato dizer-se que quase todos os
reveladores são médiuns inspirados, audientes ou videntes. Daí, entretanto, não
se deve concluir que todos os médiuns sejam reveladores, nem, ainda menos,
intermediários diretos da Divindade ou dos seus mensageiros.
Só os Espíritos puros recebem a palavra de Deus com a
missão de transmiti-la; mas, sabe-se hoje que nem todos os
Espíritos são perfeitos e que existem muitos que se
apresentam sob falsas aparências, o que levou S. João a dizer: “Não acrediteis em
todos os Espíritos; vede antes se os Espíritos são de Deus.” (Epíst. 1ª , 4:4.)
Pode, pois, haver revelações sérias e verdadeiras, como as
há apócrifas e mentirosas. O caráter essencial da revelação divina é o da
eterna verdade. Toda revelação eivada de erros ou sujeita a modificação não
pode emanar de Deus, porque Deus não pode enganar conscientemente nem se
enganar. É assim que a lei do
Decálogo tem todos os caracteres de sua origem, enquanto
que as outras leis mosaicas, fundamentalmente transitórias, muitas vezes em
contradição com a lei do Sinai, são obra pessoal e política do legislador
hebreu. Com o abrandamento dos costumes do povo, essas leis por si mesmas
caíram em desuso, ao passo que o
Decálogo ficou sempre de pé, como farol da Humanidade.
O Cristo fez dele a base do seu edifício, abolindo as
outras leis.
Se estas fossem obra de Deus, seriam conservadas
intactas. O Cristo e Moisés foram os dois grandes reveladores que mudaram a face
do mundo e nisso está a prova da sua missão divina. Uma obra puramente humana
careceria de tal poder.
Uma nova e importante revelação se opera na época atual e
mostra a possibilidade de nos comunicarmos com os seres do mundo espiritual.
Não é novo, sem dúvida, esse conhecimento; mas ficara até aos nossos dias, de certo
modo, como letra morta, isto é, sem proveito para a Humanidade. A ignorância
das leis que regem essas relações o abafara sob a superstição; o homem era
incapaz de tirar daí qualquer dedução salutar; estava reservado à nossa época
desembaraçá-lo dos acessórios ridículos, compreender-lhes o alcance e fazer
surgir a luz destinada a clarear
o caminho do futuro.
Não sendo os Espíritos senão as almas dos homens, comunicando-nos
com eles não saíamos fora da Humanidade, circunstância capital a considerar-se.
Os homens de gênio, que foram fachos da Humanidade, vieram do mundo dos
Espíritos e para lá voltaram, ao deixarem a Terra. Desde que os Espíritos podem
comunicar-se com os homens, esses mesmos gênios podem dar-lhes instruções sob a
forma espiritual, como o fizeram sob a forma corpórea. Podem instruir-nos,
depois de terem morrido, tal qual faziam quando vivos; apenas, são invisíveis,
ao invés de serem visíveis; essa a única diferença. Não devem ser menores do
que eram a experiência e o saber que possuem e, se a palavra deles, como
homens, tinha autoridade, não na pode ter menos, somente por estarem no mundo
dos Espíritos.
Mas, nem só os Espíritos superiores se manifestam; fazem-no
igualmente os de todas as categorias, e preciso era que assim acontecesse, para
nos iniciarmos no que respeita ao verdadeiro caráter do mundo espiritual,
apresentando-se-nos este por todas as suas faces. Daí resulta serem mais
íntimas as relações entre o mundo visível e o mundo invisível e mais evidente a
conexidade entre os dois. Vemos assim mais claramente donde procedemos e para
onde iremos. Esse o objetivo essencial das manifestações. Todos os Espíritos,
pois, qualquer que seja o grau de
elevação em que se encontrem, alguma coisa nos ensinam;
cabe-nos, porém, a nós, visto que eles são mais ou menos esclarecidos, discernir
o que há de bom ou de mau no que nos digam e tirar, do ensino que nos dêem, o
proveito possível. Ora, todos, quaisquer que sejam, nos podem ensinar ou
revelar coisas que ignoramos e que sem eles não saberíamos.
Os grandes Espíritos encarnados são, sem contradita, individualidades
poderosas, mas de ação restrita e lenta propagação.
Viesse um só dentre eles, embora fosse Elias ou Moisés,
revelar, nos tempos modernos, aos homens, as condições do mundo espiritual,
quem provaria a veracidade das suas asserções, nesta época de cepticismo? Não o
tomariam por sonhador ou utopista?
Mesmo que fosse verdade absoluta o que dissesse, séculos
se escoariam antes que as massas humanas lhe aceitassem as idéias.
Deus, em sua sabedoria, não quis que assim acontecesse;
quis que o ensino fosse dado pelos próprios Espíritos, não por encarnados, a fim
de que aqueles convencessem da sua existência a estes últimos e quis que isso
ocorresse por toda a Terra simultaneamente, quer para que o ensino se
propagasse com maior rapidez, quer para que, coincidindo em toda parte, constituísse
uma prova da verdade, tendo assim cada um o meio de convencer-se a si próprio.
Tais o
objetivo e o caráter da revelação moderna.
Os Espíritos não se manifestam para libertar do estudo e
das pesquisas o homem, nem para lhe transmitir, inteiramente pronta, nenhuma
ciência. Com relação ao que o homem pode achar por si mesmo, eles o deixam entregue
às suas próprias forças. Isso sabem-no hoje perfeitamente os espíritas. De há
muito, a experiência há demonstrado ser errôneo atribuir-se aos Espíritos todo
o saber e toda a sabedoria e supor-se que baste a quem quer que seja dirigir-se
ao primeiro Espírito que se apresente para conhecer todas as coisas. Saídos da
Humanidade, eles constituem uma de suas faces. Assim como na Terra, no plano
invisível também os há superiores e vulgares; muitos deles, pois, científica e filosoficamente,
sabem menos do que certos homens; eles dizem o que sabem, nem mais, nem menos.
Do mesmo modo que os homens, os Espíritos mais adiantados podem instruir-nos
sobre maior porção de coisas, dar-nos opiniões mais judiciosas, do que os atrasados.
Pedir o homem conselhos aos Espíritos não é entrar em entendimento com
potências sobrenaturais; é tratar com seus iguais, com aqueles mesmos a quem
ele se dirigiria neste mundo; a seus parentes, seus amigos, ou a indivíduos
mais esclarecidos do que ele.
Disto é que importa se convençam todos e é o que ignoram
os que, não tendo estudado o Espiritismo, fazem idéia completamente falsa da
natureza do mundo dos Espíritos e das relações com o além-túmulo.
Qual, então, a utilidade dessas manifestações, ou, se o preferirem,
dessa revelação, uma vez que os Espíritos não sabem mais do que nós, ou não nos
dizem tudo o que sabem?
Primeiramente, como já o declaramos, eles se abstêm de
nos dar o que podemos adquirir pelo trabalho; em segundo lugar, há coisas cuja
revelação não lhes é permitida, porque o grau do nosso adiantamento não as comporta.
Afora isto, as condições da nova existência em que se acham lhes dilatam o
círculo das percepções: eles vêem o que não viam na Terra; libertos dos entraves
da matéria, isentos dos cuidados da vida corpórea, apreciam as coisas de um
ponto de vista mais elevado e, portanto, mais são; a perspicácia de que gozam
abrange mais vasto horizonte; compreendem seus erros, retificam suas idéias e
se desembaraçam dos prejuízos humanos.
É nisto que consiste a superioridade dos Espíritos com relação
à humanidade corpórea e daí vem a possibilidade de serem seus conselhos,
segundo o grau de adiantamento que alcançaram, mais judiciosos e desinteressados
do que os dos encarnados. O meio em que se encontram lhes permite, ao demais,
iniciar-nos nas coisas que ignoramos, relativas à vida futura e que não podemos
aprender no meio em que estamos. Até ao presente, o homem apenas formulara
hipóteses sobre o seu porvir; tal a razão por que suas crenças a esse respeito
se fracionaram em tão numerosos e divergentes sistemas, desde o niilismo até as
concepções fantásticas do inferno e do paraíso. Hoje, são as testemunhas
oculares, os próprios atores da vida de além-túmulo que nos vêm dizer em que se
tornaram e só eles o podiam fazer. Suas manifestações, conseguintemente,
serviram para dar-nos a conhecer o mundo invisível que nos rodeia e do qual nem
suspeitávamos e só esse conhecimento seria de capital importância, dado mesmo que
nada
mais pudessem os Espíritos ensinar-nos. Uma comparação
vulgar fará compreender ainda melhor a situação.
Parte para destino longínquo um navio carregado de emigrantes.
Leva homens de todas as condições, parentes e amigos dos que ficam. Vem-se a
saber que esse navio naufragou. Nenhum vestígio resta dele, nenhuma notícia
chega sobre a sua sorte.
Acredita-se que todos os passageiros pereceram e o luto
penetra em todas as suas famílias. Entretanto, a tripulação inteira, sem faltar
um único homem, foi ter a uma ilha desconhecida, abundante e fértil, onde todos
passam a viver ditosos, sob um céu clemente.
Ninguém, todavia, sabe disso. Ora, um belo dia, outro
navio aporta a essa terra e lá encontra sãos e salvos os náufragos. A feliz
nova se espalha com a rapidez do relâmpago. Exclamam todos: “Não estão perdidos
os nossos amigos!” E rendem graças a Deus. Não podem ver-se uns aos outros, mas
correspondem-se; permutam demonstrações de afeto e, assim, a alegria substitui
a tristeza.
Tal a imagem da vida terrena e da vida de além-túmulo, antes
e depois da revelação moderna. A última, semelhante ao segundo navio, nos traz
a boa-nova da sobrevivência dos que nos são caros e a certeza de que a eles nos
reuniremos um dia. Deixa de existir a dúvida sobre a sorte deles e a nossa. O
desânimo se desfaz diante da esperança.
Mas, outros resultados fecundam essa revelação.
Achando madura a Humanidade para penetrar o mistério do
seu destino e contemplar, a sangue-frio, novas maravilhas, permitiu Deus fosse
erguido o véu que ocultava o mundo invisível ao mundo visível. Nada têm de extra-humanas
as manifestações; é a humanidade espiritual que vem conversar com a humanidade corporal
e dizer-lhe: “Nós existimos, logo o nada não existe; eis o que somos e o que
sereis; o futuro vos pertence, como a nós. Caminhais nas trevas, vimos
clarear-vos o caminho e traçar-vos o roteiro; andais ao acaso, vimos
apontar-vos a meta. A vida terrena era, para vós, tudo, porque nada víeis além
dela; vimos dizer-vos, mostrando a vida espiritual: a vida terrestre nada é. A
vossa visão se detinha no túmulo, nós vos desvendamos, para lá deste, um
esplêndido horizonte. Não sabíeis por que sofreis na Terra; agora, no sofrimento,
vedes a justiça de Deus. O bem nenhum fruto aparente produzia para o futuro.
Doravante, ele terá uma finalidade e constituirá uma necessidade; a fraternidade,
que não passava de bela teoria, assenta agora numa lei da Natureza. Sob o
domínio da crença de que tudo acaba com a vida, a imensidade é o vazio, o egoísmo
reina soberano entre vós e a vossa palavra de ordem é: ‘Cada um por si.’ Com a certeza do porvir, os
espaços infinitos se povoam ao infinito, em parte alguma há o vazio e a
solidão; a solidariedade liga todos os seres, aquém e além da tumba. É o reino da
caridade, sob a divisa: ‘Um por todos e todos por um.’ Enfim, ao termo da vida,
dizíeis eterno adeus aos que vos são caros; agora, dir-lhes-eis: Até breve!”
Tais, em resumo, os resultados da revelação nova, que veio
encher o vácuo que a incredulidade cavara, levantar os ânimos abatidos pela
dúvida ou pela perspectiva do nada e imprimir a todas as coisas uma razão de
ser. Carecerá de importância esse resultado, apenas porque os Espíritos não vêm
resolver os problemas da
Ciência, dar saber aos ignorantes e aos preguiçosos os
meios de se enriquecerem sem trabalho? Nem só, entretanto, à vida futura dizem
respeito os frutos que o homem deve colher dela. Ele os saboreará na Terra,
pela transformação que estas novas crenças hão de necessariamente operar no seu
caráter, nos seus gostos, nas suas tendências e, por conseguinte, nos hábitos e
nas relações sociais.
Pondo fim ao reino do egoísmo, do orgulho e da
incredulidade, elas preparam o do bem, que é o reino de Deus.
Assim, a revelação tem por objetivo pôr o homem na posse
de certas verdades, que ele não podia adquirir por si mesmo, e isto visando
ativar o progresso. Essas verdades em geral se limitam a princípios
fundamentais, destinados a pô-lo no caminho das pesquisas, e não a conduzi-lo
pela mão; são balizas que lhe mostram o objetivo, cabendo-lhe a tarefa de as
estudar e lhes deduzir as aplicações. Longe de o libertar do trabalho, são
novos elementos fornecidos à sua atividade.
REVISTA ESPÍRITA – ALLAN KARDEC – ABRIL DE 1866
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