10 – Um sentimento de piedade deve sempre animar o
coração daqueles que se reúnem sob o olhar do Senhor, implorando a assistência
dos Bons Espíritos. Purificai, portanto, os vossos corações.Não deixeis que
pensamentos fúteis ou mundanos os perturbem. Elevai o vosso espírito para aqueles a quem chamais, a
fim de que eles possam, encontrando em vós as disposições favoráveis, lançar em
profusão as sementes que devem germinar os vossos corações, para neles produzir
os frutos da caridade e da justiça.
Não penseis, porém, que aos vos exortar incessantemente à
prece e à evocação mental, queiramos levar-vos a viver uma vida mística, que
vos mantenha fora das leis da sociedade em que estais condenados a viver. Não.
Vivei com os homens do vosso tempo, como devem viver os homens; sacrificai-vos
às necessidades, e até mesmo às frivolidades de cada dia, mas fazei-o com um
sentimento de pureza que as possa santificar.
Fostes chamados ao contato de espíritos de naturezas
diversas, de caracteres antagônicos: não melindreis a nenhum daqueles com quem
vos encontrardes. Estai sempre alegres e contentes, mas com a alegria de uma
boa consciência e a ventura do herdeiro do céu, que conta os dias que o
aproximam de sua herança.
A virtude não consiste numa aparência severa e lúgubre,
ou em repelir os prazeres que a condição humana permite. Basta referir todos os
vossos atos ao Criador, que vos deu a vida. Basta, ao começar ou acabar uma
tarefa, que eleveis o pensamento ao Criador, pedindo-lhe, num impulso da alma,
a sua proteção para executá-la ou a sua benção para a obra acabada. Ao fazer
qualquer coisa, voltai vosso pensamento à fonte suprema; nada façais sem que a
lembrança de Deus venta purificar e santificar os vossos atos.
A perfeição, como disse o Cristo, encontra-se
inteiramente na prática da caridade sem limites, pois os deveres da caridade
abrangem todas as posições sociais, desde a mais íntima até a mais elevada. O
homem que vivesse isolado não teria como exercer a caridade. Somente no contato
com os semelhantes, nas lutas mais penosas, ele encontra a ocasião de
praticá-la. Aquele que se isola, portanto, priva-se voluntariamente do mais
poderoso meio de perfeição: só tendo de pensar em si, sua vida é a de um
egoísta. (Ver cap. V. nº 26)
Não imagineis, portanto, que para viver em constante
comunicação conosco, para viver sob o olhar do Senhor, seja preciso entregar-se
ao cilício e cobrir-se de cinzas. Não, não, ainda uma vez: não! Sede felizes no
quadro das necessidades humanas, mas que na vossa felicidade não entre jamais
um pensamento ou um ato que possa ofender a Deus, ou fazer que se vele a face
dos que vos amam e vos dirigem.
TEXTOS DE APOIO
A NEGAÇÃO DE PEDRO
O ato do Messias, lavando os pés de seus discípulos,
encontrou certa incompreensão da parte de Simão Pedro. O velho pescador não
concordava com semelhante ato de extrema submissão. E, chegada a sua vez,
obtemperou, resoluto:
– Nunca me lavareis os pés, Mestre; meus companheiros
estão sendo ingratos e duros neste instante, deixando-vos praticar êsse gesto,
como se fôsseis um escravo vulgar.
Em seguida a essas palavras, lançou à assembléia um olhar
de reprovação e desprezo, enquanto Jesus lhe respondia:
– Simão, não queiras ser melhor que os teus irmãos de
apostolado, em nenhuma circunstância da vida. Em verdade, assevero-te que, sem
o meu auxílio, não participarás com o meu espírito das alegrias supremas da
redenção.
O antigo pescador de Cafarnaum aquietou-se um pouco,
fazendo calar a voz de sua generosidade quase infantil.
Terminada a lição e retomando o seu lugar à mesa, o
Mestre parecia meditar gravemente. Logo após, todavia, dando a entender que sua
visão espiritual devassava os acontecimentos do futuro, sentenciou :
– Aproxima-se a hora do meu derradeiro testemunho! Sei,
por antecipação, que todos vós estareis dispersados nesse instante supremo.É
natural, porquanto ainda não estais preparados senão para aprender. Antes,
porém, que eu parta, quero deixar-vos um novo mandamento, o de amar-vos uns aos
outros como eu vos tenho amado ; que sejais conhecidos como meus discípulos,
não pela superioridade no mundo, pela demonstração de poderes espirituais, ou
pelas vestes que envergueis na vida, mas pela revelação do amor com que voa
amo, pela humildade que deverá ornar as vossas almas, pela boa disposição no
sacrifício próprio.
Vendo que Jesus repetia uma vez mais aquelas
recomendações de despedida, Pedro, dando expansão ao seu temperamento
irrequieto,
adiantou-se,
indagando :
– Afinal, Senhor, para onde ides?
O Mestre lhe lançou um olhar sereno, fazendo-lhe sentir o
interesse que lhe causava a sua curiosidade e redargüiu :
– Ainda não te encontras preparado para seguir-me. O
testemunho é de sacrifício e de extrema abnegação e somente mais tarde entrarás
na posse da fortaleza indispensável.
Simão, no entanto, desejando provar por palavras aos
companheiros o valor da sua dedicação, acrescentou, com certa ênfase, ao
propósito de se impor à confiança do Messias :
– Não posso seguir-vos? Acaso, Mestre, podereis duvidar
de minha coragem? Então, não sou um homem? Por vós darei a minha própria vida.
O Cristo sorriu e ponderou :
– Pedro, a tua inquietação se faz credora de novos
ensinamentos. A experiência te ensinará melhores conclusões, porque, em
verdade, te afirmo que esta noite o galo não cantará, sem que me tenhas negado
por três vezes.
– Julgais-me, então, um espírito mau e endurecido a êsse
ponto? – Indagou o pescador, sentindo-se ofendido.
– Não, Pedro – adiantou o Mestre, com doçura – não te
suponho ingrato ou indiferente aos meus ensinos. Mas, vais aprender, ainda
hoje, que o homem do mundo é mais frágil do que perverso.
***
Pedro não quis acreditar nas afirmações do Messias e tão
logo se verificara a sua prisão, no pressuposto de demonstrar o seu desassombro
e boa disposição para a defesa do Evangelho do Reino, atacou com a espada um
dos servos do sumo sacerdote de Jerusalém, compelindo o Mestre a mais severas
observações. Consoante as afirmativas de Jesus, o colégio dos apóstolos se
dispersara, naquele momento de supremas resoluções. A humildade com que o
Cristo se entregava desapontara a alguns deles, que não conseguiam compreender
a transcendência daquele Reino de Deus, sublimado e distante.
Pedro e João, observando que a detenção do Mestre pelos
emissários do templo era fato consumado, combinaram, entre si, acompanhar, de
longe, o grupo que se afastava, conduzindo o Messias. Debalde, procuraram os
demais companheiros que, receosos da perseguição, haviam debandado.
Ambos, no entanto, desejavam prestar a Jesus o auxílio
necessário. Quem sabe poderiam encontrar um recurso de salvá-lo? Era mister
certificar-se de tôdas as ocorrências. Mobilizariam suas humildes relações em
Jerusalém, a favor do Mestre querido. Compreendiam a extensão do perigo e as
ameaças que lhes s pesavam sobre a fronte. De incitante a instante, eram
surpreendidos por homens do povo que, em palestra de caminho, acusavam a Jesus
de feiticeiro e herético.
A noite caíra sobre a cidade ..
Os dois discípulos observaram que a expedição de servos e
soldados chegava à residência de Caifaz, onde o Cristo foi recolhido a uma cela
úmida, cujas grades davam para um pátio extenso.
O prisioneiro fora trancafiado, por entre zombarias e
impropérios. Ao grupo reduzido, juntava-se agora a massa popular, então em
pleno alvoroço festivo, nas comemorações da Páscoa. O pátio amplo foi invadido
por uma aluvião de pessoas alegres.
Pedro e João compreenderam que as autoridades do Templo
imprimiam caráter popular ao movimento de perseguição ao Messias, vingando-se
de sua vitória na entrada triunfal em Jerusalém, como uma nova esperança para o
coração dos desalentados e oprimidos.
Depois de ligeiro entendimento, o filho de Zebedeu voltou
a Betânia, afim de colocar a mãe de Jesus ao corrente dos fatos, enquanto Pedro
se misturava à aglomeração, de maneira a observar em que poderia ser útil ao
Messias.
O ambiente estava já preparado pelo farisaísmo para os
tristes acontecimentos do dia imediato. Em tôdas as rodas, falava-se do Cristo
como de um traidor ou revolucionário vulgar. Alguns comentadores mais exaltados
o denunciavam como ladrão. Ridicularizava-se o seu ensinamento, zombava-se de
sua exemplificação e não faltavam os que diziam, em voz alta, que o Profeta
Nazareno havia chegado à cidade chefiando um bando de salteadores.
O velho pescador de Cafarnaum sentiu a hostilidade com
que teria de lutar, afim de socorrer o Messias, e experimentou um frio
angustioso no coração. Sua resolução parecia vencida. A alma ansiosa se deixava
dominar por dúvidas e aflições. Começou a pensar nos seus familiares, em suas
necessidades comuns, nas convenções de Jerusalém que ele não poderia afrontar
sem pesados castigos. Com o cérebro fervilhando de expectativas e cogitações de
defesa própria, penetrou no pátio extenso, onde se adensava a multidão.
Para logo, uma das servas da casa se aproximou dele e
exclamou, surpreendida:
– Não és tu um dos companheiros deste homem? – Indagou,
designando a cela onde Jesus se achava encarcerado.
O pescador refletiu um momento e, reconhecendo que o
instante era decisivo, respondeu, dissimulando a própria emoção :
– Estás enganada. Não sou.
O apóstolo ponderou aquela primeira negativa e pôs-se a
considerar que semelhante procedimento, aos seus olhos, era o mais razoável,
porquanto tinha de empregar tôdas as possibilidades ao seu alcance, a favor de
Jesus.
Fingindo despreocupação, o irmão de André se dirigiu a
uma pequena aglomeração de populares, onde cada qual procurava esquivar-se ao
frio intenso da noite, aquentando-se junto de um braseiro.
Novamente um dos circunstantes, reconhecendo-o, o
interpelou nestes termos :
– Então, vieste socorrer o teu Mestre?
– Que Mestre? – perguntou o pescador de Cafarnaum, entre
receoso e assustado – Nunca fui discípulo desse homem. Fornecida essa
explicação, todo o grupo se sentiu à vontade para comentar a situação do
prisioneiro. Longas horas passaram-se para Simão Pedro, que tinha o coração a
duelar-se com a própria consciência, naqueles instantes penosos em que fora
chamado ao testemunho. A noite ia adiantada, quando alguns servidores vieram
servir bilhas de vinho. Um deles encarando o discípulo com certo espanto,
exclamou de súbito:
– É este!... É bem aquele discípulo que nos atacou à
espada, entre as árvores do horto!...
– Simão ergueu-se pálido e protestou :
– Estás enganado, amigo! Vê que isso não seria
possível!...
Logo que pronunciou sua derradeira negativa, os galos da
vizinhança cantaram em vozes estridentes, anunciando a madrugada.
Pedro recordou as palavras do Mestre e sentiu-se
perturbado por infinita angústia. Levantou-se cambaleante e, voltando-se
instintivamente para a cela em que o Mestre se achava prisioneiro, viu o
semblante sereno de Deus a contemplá-lo através das grades singelas.
***
Presa de indizível remorso, o apóstolo retirou-se
envergonhado de si mesmo. Dando alguns passos, alcançou os muros exteriores,
onde se deteve a chorar amargamente. Ele, que fora sempre homem ríspido e
resoluto, que condenara invariàvelmente os transviados da verdade e do bem, que
nunca conseguira perdoar as mulheres mais infelizes, ali se encontrava, abatido
como uma criança, em face de sua própria falta. Começava a entender a razão de
certas experiências dolorosas de seus irmãos em humanidade. Em seu espírito
como que desabrochava uma fonte de novas considerações pelos infortunados da
vida. Desejava, ansiosamente, ajoelhar-se ante o Messias e suplicar-lhe perdão
para a sua queda dolorosa.
Através do véu de lágrimas que lhe obscurecia os olhos,
Simão Pedro experimentou uma visão controladora e generosa. Figurou-se-lhe que
o Mestre vinha vê-lo, em espírito, na solidão da noite, trazendo nos lábios
aquele mesmo sorriso sereno de todos os dias. Ante a emoção confortadora e
divina, Pedro ajoelhou-se e murmurou:
– Senhor, perdoai-me!
Mas, nesse instante, não mais viu, na confusão de seus
angustiados pensamentos. Luar alvíssimo enfeitava de luz as vielas desoladas.
Foi ai que o antigo pescador refletiu mais austeramente, lembrando as
advertências amigas de Jesus, quando lhe dizia : – “Pedro, o homem do mundo é
mais frágil do que perverso!...”
Irmão X - Humberto de Campos - Do livro “Boa Nova”.
Psicografia de Francisco Cândido Xavier.
ESTRANHO PONTO DE
VISTA
(Chico Xavier)
Chico Xavier nos escreve contando como recebeu a mensagem
“Luz para todos”:
“Alguns amigos vindos de cidade distante, em consultas e comentários,
antes dos encargos em pauta na sessão pública, haviam mostrado estranho ponto
de vista. Disseram-me que são contra a apresentação da Doutrina Espírita em
programas de televisão e julgam que os doutrinadores e médiuns devem permanecer
segregados nos templos espíritas para exemplificarem humildade cristã.
Acreditam que os espíritas precisam fugir de contatos com a vida comum, se
quiserem ser modestos e eficientes.
“Ouvi sem concordar com eles, porque os Benfeitores da
Vida
Maior ensinaram-me que o Espiritismo é uma bênção de Deus
para todas as criaturas sem exceção e que não nos cabe desprezar a ninguém.
Abstive-me de qualquer discussão. Mas, iniciadas as tarefas, o ponto de estudo
em O Evangelho Segundo o Espiritismo, aberto para as lições da noite, foi a
página intitulada “O homem no mundo”, item 10 do capítulo XVII. E o nosso
Emmanuel produziu a página que lhe coloco nas mãos com a esperança de que lhe
ofereça proveito justo em nossos estudos.”
Livro: Na Era dos Espíritos – Francisco C Xavier
LUZ PARA TODOS
(Emmanuel)
Estariam os princípios espíritas endereçados à segregação
para uso exclusivo daqueles irmãos que carregam provas visíveis no plano material?
Encontramos, com frequência, na Terra quem suponha deva ser
a Nova Revelação limitada ao trabalho em favor dos que sofrem a penúria do
corpo, sob pena de perder a própria simplicidade.
Entretanto, a fulguração solar será menos luz quando
clareia o recôncavo de um vale e o topo de um arranha-céu ao mesmo tempo? E,
acaso, a fonte se diminuirá em grandeza por deixar-se canalizar em serviço à
cidade grande, após haver saciado a sede aos lares do campo?
Decerto, a mensagem da Vida Maior tem significação mais imediata
em auxílio a quantos se vejam no mundo em dificuldades abertas, seja no chão
das exigências primárias da natureza ou na sombra das grandes tribulações em
que a inconformidade os compele a se tornarem francamente infelizes. Imperioso,
porém, pensar naqueles outros companheiros da humanidade que a vida situou em
outros setores.
Não é a face externa da criatura que lhe determina o grau
da necessidade espiritual.
Dói-nos ver as mãos que se nos estendem nas ruas, à cata
de pão; no entanto, será justo, igualmente, compreender os obstáculos daqueles
que se esfalfam em serviço para que haja pão, tanto quanto possível, à mesa de
todos.
Aflige-nos registrar os empeços do amigo em profissão
singela, cujo salário não lhe satisfaz a todos os requisitos da vida simples, mas
não nos será lícito esquecer os óbices daqueles que se atormentam na orientação
da oficina para que o trabalho não se perturbe ou escasseie.
Magoa-nos surpreender irmãos diversos, acomodados nos
palheiros humildes que lhes servem de residência; contudo, não podemos
desconhecer os impedimentos daqueles outros que encanecemnas administrações, construindo
caminhos ao progresso e traçando horizontes ao reconforto geral.
Sensibiliza-nos o martírio das mães que vagueiam nas vias
públicas à busca de socorro para filhinhos padecentes; entretanto,seria injusto
desconsiderar o sofrimento daquelas outras que se aniquilam, pouco a pouco,
dentro de casa, em posição de incessante sacrifício, para sustentarem os
descendentes, de modo a que a dignidade humana possa honrosamente sobreviver.
Reflitamos no conjunto dos problemas humanos e a ninguém deserdemos
da verdade e do amor, de vez que em qualquer situação pertencemos todos a Deus
e, segundo as nossas necessidades, é natural que Deus nos atenda a cada um.
Livro: Na Era dos Espíritos – Francisco C Xavier
O HOMEM NO MUNDO
(J. Herculano Pires)
O Espiritismo é um processo de integração do homem no mundo
e não de fuga. Todas as formas de isolamento social e de segregação religiosa
são condenadas pela doutrina. Os resíduos do sectarismo religioso, alimentados
em várias encarnações, permanecem ainda bastante ativos em alguns adeptos,
fazendo-os sonhar com um isolacionismo sectário que atenta contra a própria
essência dos ensinos espíritas. É o fermento velho a que se referiu Jesus, como
vemos no Evangelho.
O Cristianismo teve de enfrentar esse mesmo problema em seu
desenvolvimento. E, apesar da vitória das correntes cristãs mais ativas, não
foi possível evitar-se a criação de ordens e congregações dedicadas à vida contemplativa,
empenhadas na fuga ao mundo para o encontro com Deus. Essa tendência à fuga é característica
das religiões orientais. Basta compararmos a vida contemplativa e os ensinos
disciplinares de Buda com a vida ativa e os ensinos morais do Cristo, para
vermos a diferença entre o espírito oriental e o espírito ocidental nas
religiões.
Na mensagem intitulada “O homem no mundo”, constante do capítulo
XVII de O Evangelho Segundo o Espiritismo, encontramos o seguinte trecho: “Não
penseis que, ao vos exortar à prece e à evocação mental, queiramos levar-vos a
viver uma vida mística que vos mantenha fora das leis da sociedade. Não. Vivei com
os homens do vosso tempo, como devem viver os homens.
Sacrificai-vos às necessidades e até mesmo às
frivolidades de cada dia, mas fazei-o com o sentimento de pureza que as possa purificar”.
E no capítulo “A Lei de Sociedade”, de O Livro dos Espíritos, a afirmação é
taxativa: “Os homens são feitos para viver em sociedade”.
Os médiuns e doutrinadores espíritas têm uma missão
eminentemente social. Para bem cumprir essa missão devem servir-se de todos os
meios, os mais eficientes possíveis, de divulgação da doutrina. E foi o próprio
Jesus quem ensinou que não devemos esconder a lâmpada embaixo da cama, mas
colocá-la no alto, para que ilumine a todos.
Livro: Na Era dos Espíritos – Francisco C Xavier
EM TORNO DA REGRA
ÁUREA
Quanto mais se
adianta o progresso, mais intensamente se percebe que a vida é um condomínio.
Partilhamos, em
regime de obrigatoriedade, o ar ambiente e a luz solar que nunca estiveram sob
nosso controle. E, em nos referindo aos bens que retemos na Terra, quando na
condição de Espíritos encarnados, à medida que solucionamos as grandes questões
de interesse coletivo, quais as da justiça, da economia, do trabalho, da
provisão ou moradia, mais impelidos nos reconhecemos a observar o direito dos
outros.
Seja num edifício
de apartamentos ou numa fila de compras, as nossas conveniências estão sujeitas
à tranqüilidade dos vizinhos.
Numa oficina, quanto
mais importante se mostre, a produção apenas surge no rendimento preciso se
mantida na forma da música orquestral, atribuindo-se a cada instrumento a
responsabilidade que lhe compete.
Civilização e
cultura baseiam-se no espírito de equipe, com a interdependência de permeio.
Princípios
idênticos prevalecem no reino da alma, convocando-nos o livre-arbítrio ao levantamento
da segurança e da felicidade de todos aqueles que nos comungam a experiência.
Sem nenhuma
pretensão de natureza política, a Doutrina Espírita funciona, atualmente, no
campo religioso da Humanidade, por mecanismo providencial de alertamento,
induzindo-nos ao concurso natural e espontâneo na edificação do bem comum.
Por séculos e séculos,
conservamos no mundo ignorância e carência, guerra e criminalidade, em nome da
Vontade de Deus; entretanto, o Espiritismo, restaurando a mensagem do
Cristianismo, que veio estabelecer a fraternidade entre os homens, pergunta a
cada um de nós se estaríamos realmente certos de viver sob a Vontade de
Deus, se formássemos entre as vítimas da penúria e das
trevas de espírito.
Usemos todas as
nossas possibilidades, sejam elas recursos ou aptidões, na construção dos
tempos novos.
Solidariedade e
cooperação, entendimento e concórdia, amor a deslocar-se da teoria para
erguer-se na vida prática.
A regra áureas,
para complementar-se devidamente, não se restringe à estrutura negativa, “não
faças a outrem aquilo que não desejas”, e sim exige plena observância da forma
positiva em que se expressa: “é preciso fazer aos outros tudo aquilo que
desejamos nos seja feito”.
Livro: Estude E Viva - Francisco Cândido Xavier E Waldo
Vieira Pelos Espíritos Emmanuel E André Luiz
MODO DE FAZER
De modo que haja em vós o mesmo sentimento que houve
também em Cristo Jesus (Paulo – Filipenses 2:5)
Todos fazem alguma coisa na vida humana, mas raros não
voltam à carne para desfazer quanto fizeram.
Ainda mesmo a criatura ociosa, que passou o tempo entre a
inutilidade e a preguiça, é constrangida a tornar à luta, a fim de desintegrar
a rede de inércia que teceu ao redor de si mesma.
Somente constrói, sem necessidade de reparação ou
corrigenda, aquele que se inspira no padrão de Jesus para criar o bem.
Fazer algo em Cristo é fazer sempre o melhor para todos:
Sem expectativa de remuneração. Sem exigências. Sem mostrar-se. Sem exibir
superioridade. Sem tributos de reconhecimento. Sem perturbações.
Em todos os passos do Divino Mestre, vemo-lo na ação
incessante, em favor do indivíduo e da coletividade, sem prender-se.
Da carpintaria de Nazaré à cruz de Jerusalém, passa
fazendo o bem, sem outra paga além da alegria de estar executando a Vontade do
Pai.
Exalta o vintém da viúva e louva a fortuna de Zaqueu, com
a mesma serenidade.
Conversa amorosamente com algumas criancinhas e
multiplica o pão para milhares de pessoas, sem alterar-se. Reergue Lázaro do
sepulcro e caminha para o cárcere, com a atenção centralizada nos Desígnios
Celestes.
Não te esqueças de agir para a felicidade comum, na linha
infinita dos teus dias e das tuas horas.
Todavia, para que a ilusão te não imponha o fel do
desencanto ou da soledade, ajuda a todos, indistintamente, conservando, acima
de tudo, a glória de ser útil, de modo que haja em nós o mesmo sentimento que
vive em Jesus Cristo.
Livro: Fonte Viva – Emmanuel - Psicografia de Francisco
Cândido Xavier
COOPERAÇÃO COM DEUS
Tema: Cooperação
individual na execução do plano de serviço de Providência Divina
Quantas vezes terás dito que amas a Deus e te dispões a
servi-lo? e quantas outras tantas terás afirmado a tua fé na Providência
Divina?
Provavelmente, porém, não te puseste ainda a raciocinar
que os teus votos foram acolhidos e que o Todo-Misericordioso, por intermédio
de vasta corrente hierárquica de assessores, te enviou tarefas de cooperação
com a Sua Infinita Bondade, junto de causas, organizações, situações e pessoas,
que lhe requisitam assistência e intervenção.
Exposto, assim, o problema do teu setor de ação
individual, será justo considerar que esforço e dedicação constituem
ingredientes inevitáveis no encargo que te foi confiado, a fim de que obtenhas
o êxito que denominamos por “dever cumprido perante Deus”.
Mãe ou pai, se recolhesses da vida tão-somente os filhos
robustos e virtuosos, que indícios de amor oferecerias a Deus, quando Deus te
pede o coração mais profundamente voltado para os filhos menos felizes, com
bastante abnegação para jamais abandoná-los, ainda mesmo quando o mundo os
considere indesculpáveis ou desprezíveis?
Professor ou mentor, se reunisses contigo apenas os
discípulos inteligentes e nobres, quem estaria com Deus no auxílio aos rebeldes
ou retardados?
Dirigente ou supervisor, nos diversos ramos da atividade
humana, se fosses chamado para guiar os interesses da comunidade exclusivamente
nos dias de céu azul, para entoar louvores à harmonia ou presidir a
distribuição de luzes e bênçãos, quem cooperaria com o Supremo Senhor, nas
horas de tempestade, quando as nuvens da incompreensão e os raios da calúnia
varam a atmosfera das instituições, exigindo a presença dos que cultivem
brandura e compreensão, a fim de que a Divina Misericórdia encontre
instrumentos capazes de ajudá-la a restaurar os elementos convulsos?
Obreiro do bem ou condutor da fé, se obtivesses da Terra
apenas demonstrações de apreço e palmas de triunfo, quem colaboraria com Deus,
nos dias de perturbação, de maneira a limitar a incursão das trevas ou a apagar
o fogo do ódio, entre as vítimas da ilusão ou da vaidade, nos lugares em que o
Pai Supremo necessite de corações suficientemente corajosos e humildes para
sustentarem o bem com esquecimento de todo mal?
Onde estiveres e sejas com quem sejas, no grau de
responsabilidade e serviço em que te situas, agradece aos Céus as alegrias do
equilíbrio, as afeições, os dias róseos do trabalho tranqüilo e as visões dos
caminhos pavimentados de beleza e marginados de flores que te premiam a fé em
Deus; quando, porém, os espinhos da
provação de firam a alma ou quando as circunstâncias adversas se conjuguem
contra as boas obras a que vinculas, como se atormenta do mal intentasse
efetuar o naufrágio do bem, recorda que terás chegado ao instante do
devotamento supremo e da lealdade maior, porque, se confias em Deus, Deus
igualmente confia em ti.
Emmanuel - Livro
Encontro Marcado - Francisco Cândido Xavier
ESNOBISMO
Um exotismo existe que ameaça as fileiras espíritas sem
ser qualquer das excentricidades que aparecem no movimento doutrinário, à conta
de extravagância marginal. Disparate talvez pior, porquanto, se nas atividades
paralelas ao caminho real da idéia espírita somos impelidos a reconhecer muita
gente caracteristicamente sincera nas intenções louváveis, nessa outra
esquisitice vamos encontrar para logo a máscara de atitudes e maneiras, em
desacordo com os princípios arejados da Nova Revelação.
Reportamo-nos ao esnobismo que comparece, muita vez, em
nossas formações, qual praga enquistada em plantação valiosa.
Companheiros que se deixam vencer por semelhante prejuízo
fornecem em pouco tempo os sinais que lhe são conseqüentes.
Continuam espíritas e afirmam-se espíritas, mas começam
afetando possuir orientação de natureza superior, passando a excessiva
admiração pelas novidades em voga. E, desprevenidamente, sem maior atenção
pelos ensinos da Doutrina que abraçam, cristalizam despropósitos no modo de
ser.
Habitualmente, apaixonam-se por exterioridades sociais e
escolhem classe determinada para freqüentar. Isolam-se em grupo segregacionista,
conquanto se supunham representantes da mais alta ortodoxia em matéria de
opinião.
Acreditam muito mais em títulos transitórios do
academicismo e em facilidades econômicas do que no valor substancial das
pessoas.
Estimam espetáculos acima do serviço, e evidenciam apreço
além do que é justo aos medalhões do mundo, à medida que se fazem mais
distantes e envergonhados de quaisquer relações com os humildes.
Estão sempre dispostos a ordenar no trabalho em assuntos
de organização, horário, local e condições, sem permitir que o trabalho os
comande nas disposições e disciplinas com que foi estabelecido.
Nas obras de beneficência, tratam irmãos em penúria como
se fossem párias sociais, ao passo que se inclinam reverentes perante qualquer
figura de relevo mundano de mérito duvidoso.
Nós, os espíritas desencarnados e encarnados, devemos
estar de sentinela contra semelhante absurdo.
O esnobismo - repitamos - é parasito destruidor da árvore
de nossos princípios e realizações.
Vigiemo-nos. Imitemos o lavrador correto que zela pela
própria lavoura, e, se o esnobismo surge, sorrateiro, em nossas atividades,
procuremos de imediato, dar o fora com ele.
Livro: Estude E Viva - Francisco Cândido Xavier E Waldo
Vieira Pelos Espíritos Emmanuel E André Luiz
AUXILIAR
“Eis que o
semeador saiu a semear.” — JESUS — MATEUS, 13:3
“A perfeição está toda, como disse o Cristo, na prática
da caridade absoluta; mas os deveres da caridade alcançam todas as posições
sociais, desde o menor até o maior.” — Cap. XVII, 10.
Auxiliar, amparar,
consolar, instruir!
Para isso, não
aguardes o favor das circunstâncias.
Jesus foi claro no
ensinamento.
O semeador da
parábola não esperou chamado algum.
Largou
simplesmente as conveniências de si mesmo e saiu para ajudar.
O Mestre não se
reporta à leiras adubadas ou a talhões escolhidos. Não menciona temperaturas ou
climas. Não diz se o cultivador era proprietário ou rendeiro, se moço no
impulso ou amadurecido na experiência, se detinha saúde ou se carregava o ônus
da enfermidade.
Destaca somente
que ele partiu a semear.
Por outro lado,
Jesus na informa se o homem do campo recebeu qualquer recomendação acerca de
pântanos ou desertos, pedreira ou espinheirais que devesse evitar. Esclarece
que o tarefeiro plantou sempre e que a penúria ou o insucesso do serviço foi
problema do solo beneficiado e não dos braços que se propunham a enriquecê-lo.
Saibamos, assim,
esquecer-nos para servir.
Não importa
venhamos a esbarrar com respostas deficientes da gleba do espírito, às vezes
desfigurada pela urze da incompreensão ou pelo cascalho da ignorância. Idéia e
trabalho, tempo e conhecimento, influência e dinheiro são possibilidades
valiosas em nossas mãos. Todos podemos espalhá-las por sementes de amor e luz.
O essencial,
porém, será desfazer o apego excessivo às nossas comodidades, aprendendo a
sair.
Emmanuel - Psicografia : Francisco Cândido Xavier - Livro
: Livro da Esperança
VIVER COM
NATURALIDADE
"... Vivei com os homens de vossa época, como devem
viver os homens..." "... Fostes chamados a entrar em contato com
espíritos de natureza diferente, de caracteres opostos; não choqueis nenhum
daqueles com os quais vos encontrardes. Sede alegres, sede felizes, mas da
alegria que dá uma boa consciência..." (Cap. XVII, item 10)
Viver "felizes segundo as necessidades da
Humanidade" é viver com naturalidade, ou seja, participar efetivamente na
sociedade usando nosso jeito natural de ser.
Todos nós fomos abençoados com determinadas vocações, e o
mundo em que vivemos precisa de nossa cooperação individual, para que possamos,
ao mesmo tempo, desenvolver nossas faculdades inatas na prática social e
aumentar nossa parcela de contribuição junto à comunidade em que vivemos, no
aperfeiçoamento da humanidade.
Possuímos talentos que precisam ser exercitados para que
possam florescer, mas poucos de nós damos o real valor a essa tarefa. Esses
mesmos talentos estão esperando nosso empenho de "se dar força", a
fim de colocá-los em plena ação no intercâmbio das relações com as pessoas e
com as coisas.
Não podemos então olvidar que viver no mundo é
"entrar em contato com espíritos de natureza diferente, de caracteres
opostos", reconhecendo que cada um dá o que tem, vive do jeito que pode,
percebe da maneira que vê, admitindo que, por se tratar de tendências, talentos
e vocações, todos nós temos a peculiar necessidade de "ser como
somos" e "estar onde quisermos" na vida social.
Talentos são impulsos naturais da alma adquiridos pela
repetição de fatos semelhantes, através das vidas sucessivas. Vocação é a
"voz que chama", palavra oriunda do latim "vocatus", que quer
dizer chamado ou convocação.
Pelo fato de a Natureza ser uma verdadeira
"vitrina" de biodiversidade ou multiplicidade de seres, é que cada
indivíduo tem suas próprias ferramentas, úteis para laborar na lida social.
Todas as árvores são árvores, mas o pessegueiro não tem
as mesmas peculiaridades do limoeiro, nem o abacateiro as da mangueira. Por
isso, cada pessoa também se exprime em níveis diversos segundo as múltiplas
formas com que a Sabedoria Divina nos plasmou na criação universal.
Assim, todos somos convocados a "agir no social com
"um aspecto severo e lúgubre, repelindo os prazeres que as condições
humanas permitem", mas felizes, fazendo o uso de nossos potenciais e
faculdades prazerosamente.
Jesus de Nazaré vivia, à sua época, uma vida mística e
distante da sociedade? O Cristo de Deus se integrava intensamente no social,
"participando das festas de casamento", "do relacionamento
fraterno, amando intensamente os amigos".
"Sem preconceito algum fazia visitas e tomava
refeições em companhia de variadas criaturas", percorrendo cidades, campos
e estradas sempre acompanhado dos amigos queridos e das multidões que O cercavam.
Em vista disso, devemos entender que as Leis do Criador
deram às criaturas inclinações e aptidões íntimas e originais, para que elas
pudessem conviver entre si, oferecendo a cada uma participação também original
na vida comunitária de maneira "sui generis".
Devemos, sim, viver no mundo com a consciência de que
somos espíritos imortais em crescimento e progresso, e de que o nosso
"ânimo de viver" em sociedade depende de colocarmos em prática as nossas
verdadeiras capacidades e vocações da alma.
Lembremo-nos, contudo, de que a palavra "ânimo"
quer dizer "alma", do latim "animus", e de que devemos,
cada um de nós, "viver com alma" no círculo social do mundo.
Livro: Renovando Atitudes - Hammed – Francisco do
Espírito Santo Neto
FUGA DO MUNDO
"Não julgueis, todavia, que, exortando-vos
incessantemente à prece e à evocação mental, pretendamos vivais uma vida
mística, que vos conserve fora das leis da sociedade onde estais condenados a
viver. Não; viva com os homens da vossa época, como devem viver os homens.
Sacrificai às necessidades, mesmo às frivolidades do dia, mas sacrificai com um
sentimento de pureza que as possa santificar."
O Evangelho Segundo Espiritismo -cap. 11 - Item 10
Fuga do mundo! Fenômeno comportamental que vem
avassalando alguns companheiros beneficiados com o conhecimento espírita. Sua
característica mais marcante é a de querer conviver somente entre companheiros
de idealismo, com extrema limitação para entender perfis éticos e sociais que
destoem da "performance doutrinária-evangélica".
Afora os conflitos naturais, sofridos em razão da
necessária adaptação do homem depois que toma contato com as diretrizes
espirituais, podemos classificar essa fuga do mundo, quando se torna
persistente e sistemática, como verdadeira inconformação com as vicissitudes
corporais.
Cataloguemos tal episódio da vida mental de
"síndrome de além túmulo" pelo motivo de ser a vida espiritual o
"objeto de desejo" de semelhantes casos.
A "síndrome de além túmulo" pode ser
classificada como um comportamento neurótico de transferir para um "mundo
ideal" as esperanças e expectativas do dia a dia no "mundo
real". E' uma fuga, uma transferência como mecanismo de defesa de questões
íntimas não resolvidas e dolorosas, resultantes principalmente de frustrações e
insatisfações para o homem encarnado. Faz-se algo hoje pensando em colher na
imortalidade, no futuro, sem nutrir-se dos benefícios dessa ação no hoje e no
agora, vivendo um mundo imaginário "desconectado" dos sentimentos.
Seu traço principal é a negação dos prazeres humanos com os quais seu portador
carrega sofríveis desajustes. Apresenta-se esse conflito interior com variados
assuntos como a riqueza, a beleza, a inteligência, a virtude e outros temas
existenciais; por isso é comum projetar julgamentos estereotipados e
repreensivos à conduta alheia, exatamente naqueles embates que a criatura
carrega.
Doentio nesse lance da vida mental é a suposição que se
elabora para si mesmo sobre os futuros frutos que obterá na vida dos espíritos,
simplesmente pelo fato de "aguentar resignadamente" as dores pelas
quais vêm passando, quando tais dores nesse tipo de vivência são desajustes de
inaceitação e rebeldia, provas morais adicionais e distante das provas reais,
ante os quadros de aferição terrena a que todo espírito reencarnado está
submetido com mais ou menos intensidade.
O conhecimento espírita para agregar valor
espiritualizante precisa ser contextualizado, ou seja, adequado à vivência
prática de quem o possui, respeitando sua individualidade, seus problemas e
suas qualidades. O acúmulo de informações, sem a devida renovação da
experiência de viver e conviver, poderá, em algumas situações, servir ao
interesse pessoal na sutil fuga dos deveres que a Terra "impõe" como
planeta expiatório.
Abençoada é a literatura espírita, mas a cultura humana,
que é construída a partir das informações e experiências entre os homens,
transportou com certo exagero as avaliações de boa parte dos adeptos espíritas
para o mundo espiritual, as existências passadas e a influência dos
desencarnados. E' a velha dicotomia passado, presente e futuro no campo da fragmentação
da "realidade mental".
Verdadeiramente, o presente é a nossa realidade, contudo
o atavismo do reino dos céus, ressumando do passado conjugado às esperanças
futuras na vida extrafísica, determina ampla soma de desencontros com as
desconfortáveis experiências que todos temos que passar para aquilatar valores
e vencer imperfeições.
Essa "síndrome", portanto, gerou uma cultura de
supervalorização das questões do mundo extrafísico trazendo como consequência a
negação da relação com o mundo físico.
Três são os resultados éticos e emocionais de semelhante
postura mental:
- A transferência de responsabilidade sobre os insucessos
pessoais, imputada a espíritos e carmas.
- Negação do passado da atual existência pela camuflagem
de medos, frustrações, desejos, culpas e sentimentos; são as máscaras
emocionais.
- Foco dos pensamentos centrado no tipo de relações sociais
das colônias de além túmulo contidas na literatura espiritista.
Ante essa cruel vivência da vida interior, torna-se
escassa a auto-estima, enfraquece-se o desejo de progresso e espera-se
resultados ótimos na vida além túmulo pelo simples fato de apenas pertencer às
fileiras de serviço ou frequência das casas doutrinárias, como se assim todos
os problemas estivessem solucionados. E' quando encontra decepções e surpresas
desagradáveis na própria convivência com os companheiros de tarefa, melindra-se
ostensivamente, afogando-se em mágoas e deserções irrefletidas, supondo que
"novos carmas" surgiram para elevá-lo ainda mais na escala de sua
suposta ascensão.
Muita oração e paciência requisitam tais corações em
nossas fileiras. São doentes graves e podem carecer de tratamentos
especializados dos ramos da psique, quando essas desarmonias são persistentes e
progressivas.
Evita, desse modo, fugir de teu mundo. Não espere um
grupo de cooperadores Celestes na esfera de tuas ações espíritas, relegando o
trabalho educativo de ti mesmo ao preço da insipiência e descuidos alheios.
Os dirigentes conscientes e comprometidos ensejem um
ambiente doutrinário que conecte o tarefeiro com seu mundo, interagindo sempre
o centro espírita com a sociedade e seus problemas, fortalecendo seus irmãos
para viverem no mundo sem serem do mundo, e para serem espíritas sem desejarem
ser "anjos"...
Vemos assim mais uma faceta sutil das batalhas do
espírita na Terra que apela com urgência para a arregimentação de grupos
espíritas mais humanos e acolhedores. Grupos que saibam estender mãos e coração
a essas desamornias provacionais, tonificando o necessitado de forças novas e
soluções realistas e libertadoras. Grupos que tenham competência de demonstrar
socorro e rota a quem lhes busca, independentemente da natureza de sua
problemática, de educar para entender que cada criatura é o arquiteto de seu destino,
o construtor de sua felicidade, apontando-lhe o estudo e o trabalho
indispensáveis para seu reajustamento ante as dores do mundo.
Indispensável constatar que semelhantes grupos só podem
ser construídos se seus condutores forem criaturas que vivam o mundo da
realidade física com coerência e possuam respostas para os conflitos humanos,
porque as buscaram para superar suas próprias lutas íntimas. O bom dirigente é
aquele que passa experiência e expõe seus caminhos sem, contudo, acreditar que
eles sejam os melhores ou que vão servir para todos.
Certamente, conquistando a harmonização afetiva consigo
mesmo, o homem conseguirá sentir com mais exatidão e realismo a vida que o
cerca, seu pensamento refletirá a nobreza dos seus desejos, as atitudes falarão
de sua compostura moral e, então, ele assumirá suas responsabilidades com mais
empenho e dedicação, aprendendo a amar a todos e a tudo como são e estão, por
sua vez prosseguindo seu caminho de compromissos com a consciência,
inderrogavelmente, praticando o bem sem cessar, o que nos faz recordar a sábia
alocução entre Allan Kardec e os Espíritos Superiores, assim descrita na questão
642 de O Livro dos Espíritos:
"Para agradar a Deus e assegurar a sua posição
futura, bastará que o homem não pratique o mal?"
"Não; cumpre-lhe fazer o bem no limite de suas
forças, porquanto responderá por todo mal que haja resultado de não haver
praticado o bem."
Companheiros da jornada carnal,
A Terra é uma universidade prodigiosa para nossas
necessidades. Fugir de contribuir com o progresso e o crescimento desse planeta
é ingratidão e inconsciência. Para almas em nosso estágio, nós que já recusamos
o mal, mas ainda temos o desejo do bem embrionário, ela é farta despenseira de
bênçãos.
Aprendamos a amar as leiras terrenas.
Conquanto os conflitos que carregamos, mesmo com os
anseios não satisfeitos, inconformados com as lutas e com tendências para a
"reclusão opcional", sigamos sempre o ideal da melhora, cultivando
resignação ativa sem acomodar, ampliando os sonhos sem deixar de trabalhar e
esforçar. A desistência ou a fuga fazem-nos jornadeiros insensatos e
desculpistas, covardes e indiferentes à riqueza da vida.
A insatisfação crônica não será remediada com vida
ascética e puritanismo, porém com nobre devoção ao dever, levando-nos,
paulatinamente, a redescobrir a alegria de viver e o fulgor glorioso da paz
através dos sacrifícios em equilibrar-se, enfrentando nosso infeliz passado
onde se encontram as causas reais das dores que nos atormentam.
Vigiemos a conduta para não transportarmo-nos para as
compensações ilusórias das viciações ou na aceitação desonrosa de "vender
a alma" a novas formas de prazer, nas derrapagens morais da corrupção no
ganho fácil.
E jamais esqueçamos, em tempo algum, que a solução
definitiva da "síndrome de além túmulo" será aprender a amar a
oportunidade do renascimento, por mais escassez e dureza nas provações, fazendo
o melhor que pudermos e com muita fé na abundância da misericórdia de Deus...
Livro: Mereça ser Feliz – Ermance Dufaux – Wanderley S. Oliveira
DORES DO MARTÍRIO
"Não consiste a virtude em assumirdes severo e
lúgubre aspecto, em repelirdes os prazeres que as vossas condições humanas vos
permitem." Não imagineis, portanto, que, para viverdes em comunicação
constante conosco, para viverdes sob as vistas do Senhor seja preciso vos
cilicieis e cubrais de cinzas." E.S.E. cap. 17)
No capítulo do crescimento espiritual torna-se essencial
distinguir o que são as dores do crescimento e as dores do martírio.
Não existe reforma íntima sem sofrer, mas martírio é uma
forma de autopunição, são "penitências psicológicas" que nos impomos
como se com isso estivéssemos melhorando.
Em razão do complexo de inferioridade que assola
expressiva parcela das almas na Terra, e cientes de que semelhante vivência
psicológica deve-se ao nosso voluntário "afastamento de Deus", ao
longo das etapas evolutivas, fazendo-nos sentir inseguros e impotentes, hoje
criamos as capas mentais para nos sentirmos minimamente bem e levar avante o
desejo de existir e viver.
Essas capas são as estruturas do "eu ideal" que
nos leva a crer sermos mais do que realmente somos, uma defesa contra as
mazelas que não queremos aceitar em nós mesmos.
A melhoria íntima autêntica ocorre pelo processo de
conscientização e não pelas dores decorrentes de cobranças e conflitos
interiores, que instalam "circuitos fechados" e pane na vida mental.
Sem dúvida, todos sofremos para crescer; martírio, no
entanto, é o excesso que nasce da incapacidade de gerir com equilíbrio o mundo
emotivo, assumindo proporções e facetas diversificadas conforme o temperamento
e as necessidades de cada qual.
Não o confundamos também com sacrifício - ato que
ocasiona dores intensas com objetivo de alcançar alguma meta ou superar alguma
dificuldade. '
O que define a condição psíquica de martirizar-se é o
fato de se crer no desenvolvimento de qualidades que, de fato, não estão sendo
trabalhadas na intimidade.
São as dores impostas a nós mesmos pelas atitudes de
desamor, quando acreditamos no "eu ideal" e negamos ou fugimos do
"eu real".
Quase sempre as dores do martírio decorrem de não
querermos experimentar as dores do crescimento.
Um exemplo típico é quando somos convocados a examinar
certa imperfeição apontada por alguém e, entre a dor da auto-avaliação e a dor
da negação, preferimos a segunda, a qual integra a lista das
"dores-excesso".
Dentre as formas autopunitivas mais comuns, destacamos
que a maneira pela qual reagimos a nossos erros tem sido um canal de acesso a
infinitas dimensões expiatórias.
Muitos corações transformam o erro e a insatisfação com
suas experiências em quedas lamentáveis e irrecuperáveis, quando a escola da
vida é um gesto de sabedoria e complacência convidando-nos sempre a reerguer e
recomeçar, perante todos os insucessos do caminho.
Quando digo assim: "não posso mais falhar" será
mais difícil a conquista de si.
Dessa forma começamos a conhecer os grandes inimigos do
auto-amor no nosso íntimo, em deles é o perfeccionismo - uma das fontes de
martírio que costuma dizimar a energia de muitos aprendizes da
espiritualização. Querendo se transformar, partem para um processo de
auto-inaceitação e de auto-reprovação muito cruéis, inclinando-se para a
condenação.
A questão não é de lutar contra nós, e sim conquistar
essa parte enferma, recuperá-la, e isso jamais conseguiremos se não aprendermos
a amar esse nosso "lado doentio".
Essa forma inadequada de reagir a nossos erros abre porta
para muitas conseqüências graves, e às vezes maiores que o próprio erro em si,
tais como:
. estado íntimo de desconforto e desassossego quase
permanente,
. torturante sensação de perda de controle sobre a
existência,
. baixa tolerância à frustração,
. ansiedade de origem ignorada,
. medos incontroláveis de situações irreais,
. irritações sem motivos claros,
. angústia perante o porvir com aflição e
. sofrimento por antecipação,
. excesso de imaginação ante fatos corriqueiros da vida,
. descrença no esforço de mudança e nas tarefas
doutrinárias,
. mau humor,
. decisões infelizes no clima emotivo de confusão mental,
. intenso desgaste energético decorrente de conflitos,
. desânimo
- são algumas dores do martírio.
Quando permanecem prolongadamente, esses estados
psicológicos configuram uma auto-obsessão que pode atingir o campo do
vampirismo e de ilimitadas doenças físicas.
Poder-se-ia indagar a origem mais profunda de tantas
lutas e teríamos que vagar por um leque de alternativas tão amplo quanto são as
individualidades.
Todavia, para nossos propósitos desse momento, convém-nos
refletir sobre uma das mais pertinentes atitudes que têm levado os discípulos
espíritas aos sofrimentos voluntários com seu processo de interiorização.
Sejamos claros e sem subterfúgios para o nosso bem.
O culto à dor tornou-se uma cultura nos ambientes
espíritas.
Condicionou-se a idéias de que sofrer é sinônimo de
crescer, de que sofrer é resgatar, quitar.
Portanto, passou-se a compreender a
"dor-punitiva" como instrumento de libertação, quando, em verdade,
somente a dor que educa liberta.
Há criaturas dotadas de largas fatias de conhecimento
espiritual sofrendo intensamente, mas que continuam orgulhosas, insensatas,
hostis e rebeldes.
Não é a intensidade da dor que educa, e sim o esforço de
aprender amenizá-las.
O espírita costuma "neurotizar" a proposta da
reforma íntima. É a "neurose de santificação", um modo imaturo de
agir em razão da ausência de noções mais profundas sobre a sua verdadeira
realidade espiritual.
Constatamos que existe muita impaciência com a reforma
íntima devido à angústia causada ao espírito devido ao contato com sua
verdadeira condição diante do Universo.
Cria-se assim para si, através de mecanismos mentais, as
"virtudes de adorno" ou "compensações artificiais" a fim de
sentir-se valorizado perante a consciência e o próximo.
São os esconderijos psíquicos nos quais quase sempre
enfurnamos para não tomarmos contato com a "verdade pessoal" ...
Essa neurotização da virtude gera um sistema de vida
cheio de hábitos e condutas rígidas, a título de seguir orientações da
doutrina.
Adota-se procedimentos que não são sentidos e
"triturados" pela arte de pensar.
Isso nos desaproxima ainda mais da autêntica mudança e
passamos então a nos preocupar com o que não devemos fazer, esquecendo o que
devíamos estar fazendo.
Certamente esse caminho gera martírio e ônus para a vida
mental.
Existem muitas dores naturais no crescimento espiritual
que estabelecem um processo crônico de pressão psicológica, entretanto, diferem
muito da autoflagelação, porque elas impulsionam e fazem parte da grande
batalha pela promoção de todos nós.
Observa-se, inclusive, que alguns corações sinceros,
inseridos no esforço auto-educativo, experimentam essa "silenciosa
expiação", mas, por desconhecerem os percalços do trabalho renovador,
terminam por desistirem de prosseguir e atolam-se no desânimo.
Acreditam-se piores quando constatam semelhantes quadros
de dor psicológica e deduzem que, ao invés de progredirem, estão em plena
derrocada.
Diga-se de passagem, não são poucos os quadros com essas
características que temos observado no seio do movimento doutrinário.
Freqüentemente existe um trio de sicários da alma que a
chicoteiam durante as etapas do amadurecimento, são eles: baixa auto-estima,
culpa e medo de errar.
Apesar de serem sofrimentos psíquicos, funcionam como
emuladores do progresso quando nos habilitamos para gerenciá-los.
Assim, a culpa transforma-se em auto-aferição da conduta
e freio contra novas quedas, a baixa auto-estima converte-se em capacidade de
descobrir valores e o medo de errar promove-se a valoroso arquivo de
experiências e desapego de padrões.
Face ao exposto, indaguemos sobre quais seriam as medidas
que deveriam ser implementadas nos núcleos educativos do Espiritismo, em favor
da melhor compreensão dos roteiros de transformação interior.
Aprofundemos debates entre dirigentes sobre quais
iniciativas poderiam ser facilitadas aos novéis trabalhadores, em favor de um
aprendizado sem os torturantes conflitos originados da crueldade aplicada a nós
mesmos, quando não somos criativos o bastante para lidar com nossa sombra e
tombamos em martírios inúteis.
Reforma íntima deve ser considerada como melhoria de nós
mesmos e não a anulação de uma parte de nós considerada ruim.
Uma proposta de aperfeiçoamento gradativo cujo objetivo
maior é a nossa felicidade.
Quem está na reforma interior tem um referencial
fundamental para se auto-analisar ao longo da caminhada educativa, um
termômetro das almas que se aprimoram; inevitavelmente, quem se renova alcança
a maior conquista das pessoas livres e felizes: O PRAZER DE VIVER.
Livro: Reforma Intima Sem Martírio – Ermance Dufaux –
Wanderley S. Oliveira
PEQUENA HISTÓRIA
Um dia, a Gota D’Água, o Raio de Luz, a Abelha e o Homem
Preguiçoso chegaram ao trono de Deus.
O Todo-Poderoso recebeu-os, com bondade, e perguntou pelo
que faziam.
A Gota D’Água avançou e disse:
- Senhor,
eu estive num terreno quase deserto, auxiliando a raiz de uma laranjeira. Vi
muitas árvores sofrendo sede e diversos animais que passavam, aflitos,
procurando mananciais. Fiz o que pude, mas venho pedir-te outras Gotas D’Água
que me ajudem a socorrer quantos necessitam de nós.
O Pai sorriu, satisfeito, e exclamou:
-
Bem-aventurada sejas pelo entendimento de minhas obras. Dar-te-ei os
recursos das chuvas e das fontes.
Logo após, o Raio de Luz adiantou-se e falou:
- Senhor,
eu desci... desci... e encontrei o fundo de um abismo. Nesse antro, combati a
sombra, quanto me foi possível, mas notei a presença de muitas criaturas
suplicando claridade. Venho ao Céu rogar-te outros Raios de Luz que comigo
cooperem na libertação de todos aqueles que, no mundo, ainda sofrem a pressão
das trevas.
O Pai contente respondeu:
-
Bem-aventurado sejas pelo serviço à Criação.Dar-te-ei o concurso do Sol,
das lâmpadas, dos livros iluminados e das boas palavras que se encontram na
Terra.
Depois disso a Abelha explicou-se:
- Senhor,
tenho fabricado todo o mel, ao alcance de minhas possibilidades. Mas vejo
tantas crianças fracas e doentes que te venho implorar mais flores e mais
Abelhas, a fim de aumentar a produção...
O Pai, muito
feliz, abençoou-a e replicou:
-
Bem-aventurada sejas pelos benefícios que prestastes. Conceder-te-ei
novos jardins e novas companheiras.
Em seguida o Homem
Preguiçoso foi chamado a falar.
Fez uma cara desagradável e informou:
- Senhor,
nada consegui fazer. Por todos os lados, encontrei a inveja e a perseguição, o
ódio e a maldade. Tive os braços atados pela ingratidão dos meus semelhantes.
Tanta gente má permanecia em meu caminho que, em verdade, nada pude fazer.
O Pai bondoso, com expressão de descontentamento,
exclamou:
- Infeliz
de ti, que desprezaste os dons que te dei. Adormeceste na preguiça e nada
fizeste. Os seres pequeninos e humildes alegraram o meu Trono com o relatório
de seus trabalhos, mas tua boca sabe apenas queixar, como se a inteligência e
as mãos que te confiei para nada valessem. Retira-te! Os filhos inúteis e
ingratos não devem buscar-me a presença. Regressa ao mundo e não voltes a
procurar-me enquanto não aprenderes a
servir.
A Gota D’Água regressou, cristalina e bela.
O Raio de Luz tornou aos abismos, brilhando cada vez
mais.
A Abelha desceu zumbindo feliz.
O Homem Preguiçoso, porém, retirou-se muito triste.
Francisco Cândido Xavier, Da obra: Alvorada Cristã. Ditado
pelo Espírito Neio Lúcio.
O SERVIDOR NEGLIGENTE
Á porta de grande carpintaria, chegou um rapaz, de caixa
às costas, à procura de emprego.
Parecia humilde e educado.
O diretor da instituição compareceu, atencioso, para
atendê-lo.
- Tem serviço com que me possa favorecer? – indagou o
jovem, respeitoso, depois das saudações habituais.
- As tarefas são muitas – elucidou o chefe.
- Oh! Por favor! – tornou o interessado – meus velhos
pais necessitam de amparo. Tenho batido, em vão, à porta de várias oficinas.
Ninguém me socorre. Contentar-me-ei com salário reduzido e aceitarei o horário
que desejar.
O diretor, muito calmo, acentuou:
- Trabalho não falta...
E, enquanto o candidato mostrava um sorriso de esperança,
acrescentou:
- Traz suas ferramentas em ordem?
- Perfeitamente – respondeu o interpelado.
- Vejamo-las.
O moço abriu a caixa que trazia. Metia pena reparar-lhe
os instrumentos.
A enxó se achava deformada pela ferrugem grossa.
O serrote mostrava vários dentes quebrados.
O martelo tinha cabo incompleto.
O alicate estava francamente desconjuntado.
Diversos formões não atenderiam a qualquer apelo de
serviço, tal a imperfeição que apresentavam seus gumes.
Poeira espessa recobria todos os objetos.
O dirigente da oficina observou... observou ... e disse,
desencantado:
- Para o senhor, não temos qualquer trabalho.
- Oh! por quê? – interrogou o rapaz, em tom de súplica.
O diretor esclareceu, sem azedume:
- Se o senhor não tem cuidado com as ferramentas que lhe
pertencem, como preservará nossas máquinas? Se é indiferente naquilo em que
deve sentir-se honrado, chegará a ser útil aos interesses alheios? Quem não
zela atentamente no “pouco” de que dispõe, não é digno de receber o “muito”.
Aprenda a cuidar das coisas aparentemente sem importância. Pelas amostras,
grandes negócios se realizam neste mundo e o menosprezo para consigo é
indesejável mostruário de sua indiferença perniciosa. Aproveite a experiência e
volte mais tarde.
Não valeram petitórios do moço necessitado.
Foi compelido a retirar-se, em grande abatimento,
guardando a dura lição.
Assim também acontece no caminho comum.
Quem deseja o corpo iluminado e glorioso na
espiritualidade, além da morte, cuide respeitosamente do corpo físico.
Quem aspira à companhia dos anjos, mostre boas maneiras,
boas palavras e boas ações aos vizinhos.
Quem espera colheita de alegrias no futuro, aproveite a
hora presente, na sementeira do bem.
E quantos sonharem com o Céu tratem de fazer um caminho
de elevação na Terra mesma.
Francisco Cândido Xavier, Da obra: Alvorada Cristã. Ditado
pelo Espírito Neio Lúcio.
O DESCUIDO IMPENSADO
No orfanato em que trabalhava, Irmã Clara era o ídolo de
toda gente pelas virtudes que lhe adornavam o caráter.
Era meiga, devotada, diligente.
Daquela boca educada não saíam más palavras.
Se alguém comentava falhas alheias, vinha solícita,
aconselhando:
- Tenhamos compaixão...
Inclinava a conversa em favor da benevolência e da paz.
Insuflava em quantos a ouviam o bom ânimo e o amor ao
dever.
Além do mais, estimulava, acima de tudo, em todos os
circunstantes a boa-vontade de trabalhar e servir para o bem.
- Irmã Clara – dizia uma educadora -, tenho necessidade
do vestido para o sábado próximo.
Ela, que era a costureira dedicada de todos, respondia,
contente:
- Trabalharemos até mais tarde. A peça ficará pronta.
- Irmã – intervinha uma das criadas -, e o avental?
- Amanhã será entregue – dizia Clara, sorrindo.
Em todas as atividades, mostrava-se a desvelada criatura
qual anjo de bondade e paciência.
Invariavelmente rodeada de novelos de linha, respirava
entre as agulha e a máquina de costurar.
Nas horas da prece, demorava-se longamente contrita na
oração.
Com a passagem do tempo, tornava-se cada vez mais
respeitada. Seus pareceres eram procurados com interesse.
Transformara-se em admirável autoridade da vida cristã.
Em verdade, porém, fazia por merecer as considerações de
que era cercada.
Amparava sem alarde.
Auxiliava sem preocupação de recompensa.
Sabia ser bondosa, sem humilhar a ninguém com
demonstrações de superioridade.
Rolaram os anos, como sempre, e chegou o dia em que a
morte a conduziu para a vida espiritual.
Na Terra, o corpo da inesquecível benfeitora foi rodeado
de flores e bênçãos, homenagens e cânticos e sua alma subiu, gloriosamente,
para o Céu.
Um anjo recebe-a, carinhoso e alegre, à entrada.
Cumprimentou-a. Reportou-se aos bens que ela espalhara,
todavia, sob impressão de assombro, Irmã Clara ouviu-o informar:
- Lastimo não posso demorar-se conosco senão três
semanas.
- Oh! por quê? – interrogou a valorosa missionária.
- Será compelida a voltar, tomando novo corpo de carne no
mundo – esclareceu o mensageiro.
- Como assim?
O anjo fitou-a, bondoso, e respondeu:
- A Irmã foi extremamente virtuosa; entretanto, na
posição espiritual em que se encontrava não poderia cometer tão grande
descuido. Desperdiçou uma enormidade de fios de linha, impensadamente. Os
novelos que perdeu, davam para costurar alguns milhares de vestidos para
crianças desamparadas.
- Oh! Oh! Deus me perdoe! – exclamou a santa desencarnada
– e como resgatarei a dívida?
O anjo abraçou-a, carinhoso, e reconfortou-a dizendo:
- Não tema. Todos nós a ajudaremos, mas a querida irmã
recomeçará sua tarefa no mundo, plantando um algodoal.
Francisco Cândido
Xavier, Da obra: Alvorada Cristã. Ditado
pelo Espírito Neio Lúcio.
A NECESSIDADE DO ESFORÇO
Conta-se que, no princípio da vida terrestre, o alimento
das criaturas era encontrado como oferta da Divina Providência, em toda parte.
Em troca de tanta bondade, o Pai Celeste rogava aos
corações mais esforço no aperfeiçoamento da vida.
O povo, no entanto, observando que tudo lhe vinha de
graça, começou a menosprezar o serviço.
O mato inútil cresceu tanto, que invadia as casas, onde
toda a gente se punha a comer e dormir.
Ninguém desejava aprender a ler.
A ferrugem, o lixo e o mofo apareciam em todos os
lugares.
Animais, como os cães que colaboram na vigilância, e
aves, como os urubus que auxiliam nas obras de limpeza, eram mais prestativos
que os homens.
Vendo que ninguém queria corresponder à confiança divina,
o Pai Celestial mandou retirar as facilidades existentes, determinando que os
habitantes da Terra se esforçassem na conquista da própria manutenção.
Desde esse tempo, o ar e a água, o Sol e as flores, a
claridade das estrelas e o luar continuaram gratuitos para o povo, mas o
trabalho forçado da alimentação passou a vigorar como sendo uma lei para todos,
porque, lutando para sustentar-se, o homem melhora a terra, limpa a habitação,
aprende a ser sábio e garante o progresso.
Deus dá tudo.
O solo, a chuva, o calor, o vento, o adubo e a orientação
constituem dádivas dEle à Terra que povoamos e que devemos aprimorar, mas o
preparo do pão de cada dia, através do nosso próprio suor e da nossa própria
diligência, é obrigação comum a todos nós, a fim de que não olvidemos o nosso
divino dever de servir, incessantemente, em busca da Perfeição.
Francisco Cândido Xavier. Da obra: Pai Nosso.Ditado pelo
Espírito Meimei.
ABRE A PORTA
"E havendo dito isto, assoprou sobre eles e
disse-lhes: Recebei o Espírito Santo." - (JOÃO, 20:22.)
Profundamente expressivas as palavras de Jesus aos
discípulos, nas primeiras manifestações depois do Calvário.
Comparecendo à reunião dos companheiros, espalha sobre
eles o seu espírito de amor e vida, exclamando: "Recebei o Espírito
Santo."
Por que não se ligaram as bênçãos do Senhor,
automaticamente, aos aprendizes? por que não transmitiu Jesus, pura e
simplesmente, o seu poder divino aos sucessores? Ele, que distribuíra dádivas
de saúde, bênçãos de paz, recomendava aos discípulos recebessem os divinos dons
espirituais. Por que não impor semelhante obrigação?
É que o Mestre não violentaria o santuário de cada filho
de Deus, nem mesmo por amor.
Cada espírito guarda seu próprio tesouro e abrirá suas
portas sagradas à comunhão com o Eterno Pai.
O Criador oferece à semente o sol e a chuva, o clima e o
campo, a defesa e o adubo, o cuidado dos lavradores e a bênção das estações,
mas a semente terá que germinar por si mesma, elevando-se para a luz solar.
O homem recebe, igualmente, o Sol da Providência e a
chuva de dádivas, as facilidades da cooperação e o campo da oportunidade, a
defesa do amor e o adubo do sofrimento, o carinho dos mensageiros de Jesus e a
bênção das experiências diversas; todavia, somos constrangidos a romper por nós
mesmos os envoltórios inferiores, elevando-nos para a Luz Divina.
As inspirações e os desígnios do Mestre permanecem a
volta de nossa alma, sugerindo modificações úteis, induzindo-nos à legítima
compreensão da vida, iluminando- nos através da consciência superior, entretanto,
está em nós abrir-lhes ou não a porta interna.
Cessemos, pois, a guerra de nossas criações inferiores do
passado e entreguemo- nos, cada dia, às realizações novas de Deus, instituídas
a nosso favor, perseverando em receber, no caminho, os dons da renovação
constante, em Cristo, para a vida eterna.
XAVIER, Francisco Cândido. Vinha de Luz. Pelo Espírito
Emmanuel.
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